terça-feira, 22 de maio de 2012

Rua Malpique, Anos 60

 "...como forma de homenagear o Armando, que também ali viveu na mesma época, achei por bem descrever algumas curiosidades sobre essa rua."
Inácio Neves




Convidado a escrever para um velho amigo que vai festejar o seu aniversário, perguntei a mim próprio: Inácio, onde conheceste o Armando Queirós? De imediato tirei da memória a imagem do Armando e da sua mulher Fátima em frente do restaurante “O Borges”, onde, parece que os estou a ver, acompanhados de mais alguém – presumo que fosse o irmão António- e que, ali mesmo, fez as apresentações.

 E esta recordação faz-me evocar a famosa Rua Malpique, onde conheci o Armando, e onde vivi alguns anos na década de sessenta do século passado. E, como forma de homenagear o Armando, que também ali viveu na mesma época, achei por bem descrever algumas curiosidades sobre essa rua.

Como uma ilha isolada por força da nova urbanização da cidade, com os seus escassos 200 metros de comprimento (começa no numero “111” do campo Grande, junto da livraria e galeria de arte com o mesmo nome, e termina na Alameda da Universidade), a Rua Malpique podia, naquele tempo, ser considerada uma típica vila de Portugal, tal era a diversidade dos seus residentes e a vitalidade da sua atividade diária. E ali residiram e por ali passaram as mais diversas personalidades com talento e méritos reconhecidos.

No número 2 viveu João Lopes Soares, pedagogo e ministro da primeira República, e fundador do Colégio Moderno. Neste mesmo prédio vive hoje o Dr. Mário Soares e a sua mulher Maria Barroso; no prédio com o numero 13 viveu Eduardo Damas e outro compositor que compôs “Ó tempo volta p’ra trás”, uma das cantigas do nosso reportório cantadas pelos melhores fadistas da nossa praça, como foi o caso de Tony de Matos; no número 17 viveu o Sr. Jaime, um artista que trabalhava o ouro e a prata com distinção; no número 13 viveu um alfaiate que tratava a fazenda como ninguém, e a transformava em fatos distintos.

No número 8, em andares diferentes, residiam o Sr. Borges e o Sr. Dias, o primeiro proprietário do famoso restaurante “O Borges” sito no número 6A, sobre o qual o Jornal O Século escreveu que era “onde melhor se comia em Lisboa a seguir a o “Polícia” e à “Tia Matilde””, destacando o seu famoso cozido à portuguesa, que era servido aos domingos. A fama do Borges extravasava a Rua Malpique, pois era conhecido em toda a região de Lisboa. E até ali se tratavam outros negócios: quem quisesse fazer um seguro do carro ou mesmo um seguro de vida, bastava entrar no Borges e perguntar pelo Sr. Justino, e logo saia em segurança. O Sr. Justino não tinha horário mas nunca falhava à hora do almoço.

O Sr. Dias era proprietário da Leitaria Jasmim Vaz sita no Numero 8B e do restaurante Capas Negras sito no 4. O Sr. Dias contratou para empregado um algarvio, como ele, de nome Caetano, que entrou para a leitaria aos 18 anos e é hoje, com 65 anos, proprietário e cozinheiro do Capas Negras. O famoso programa televisivo Zip-Zip era visto no restaurante Capas Negras, que nessas noites enchia por completo.

No rés-do-chão do número 12 residia o digníssimo professor primário Moisés Covita que foi, depois, delegado do ministério público e, mais tarde, figura de relevo na magistratura portuguesa. E no primeiro andar do famoso número 15, no quarto independente, vivia outro digníssimo professor primário de nome Agostinho Gonçalves, que se licenciou em Ciências Geográficas e lecionou em alguns Liceus de Lisboa. E não posso deixar de referir que nos números 39 e 41 viviam o Sr. Rufino, empreiteiro de Calçadas e Passeios, e o Manuel das Bicicletas que se dedicava ao aluguer das mesmas no Campo Grande.

Dada a proximidade da Universidade, na rua Malpique residiam alguns estudantes que frequentavam as diferentes faculdades. No primeiro andar do número 15, a residência mais conhecida era a “Casa da Fernanda” que oferecia albergue a 4 estudantes cuja mensalidade era de 500 escudos por habitação. O quarto individual que ficava ao cimo das escadas estava, muitas vezes noite dentro, ocupado por jogadores de Lerpa.

Esta rua foi, e ainda é, uma das ruas mais seguras de Lisboa. Na década de sessenta era residência permanente de “pides” que faziam do Borges o seu refeitório, e muitos deles ficaram amigos do seu proprietário. Hoje tem um polícia permanente à porta do número 2 que faz a segurança do ex-presidente Mário Soares. .

E foi nesta rua que um dia, na minha presença, o António Queirós anunciou solenemente que tinha arrendado uma casa na Estrada da Torre onde iria residir com o irmão Luís, com o Miguel e com o Barbas. Uma casa onde o António iria dar continuidade ao espirito e à cultura iniciada na Rua Malpique, e sobre a qual se poderão contar muitas histórias..

Como pinceladas de uma aguarela despretensiosa, deixo estes relatos ao aniversariante, desejando-lhe saúde e as maiores felicidades.

 Inácio

3 comentários:

  1. Como é que um alentejano consegue escrever tanto?
    Deve ter começado quando fiz 69 anos.
    Fui parar à Rua de Malpique quando o António se mudou para a República do Lumiar. Ocupei o quarto que ele tinha até então.
    Como já conhecia todo o pessoal, integrei-me rapidamente no meio.
    No Borges, bebíamos uma imperiais a 25 tostões e, às vezes, à hora de fechar comíamos uns mariscos a preço de saldo.
    Por uma travessa de camarão que ainda restasse na vitrina e que no dia seguinte já não estaria grande coisa, oferecia-se -se qualquer coisa como 10 ou 20 escudos e era uma festa.
    Quando inaugurou uma nova sala na parte traseira, ofereceu-nos um jantar mesmo à maneira. Quando as primeiras travessas chegaram à mesa alguém exclamou: Hoje podemos comer devagar
    O Senhor Borges, estabeleceu com todos nós uma forte relação pessoal, de tal maneira que viria tornar-se fiador das primeiras casas que arrendámos como no meu caso quando casei e fui morar para Queluz

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  2. Obrigado por me lembrar.Fui para à Rua de Malpique em 1970, para um quarto alugado, como estudante qu~e era da Faculdade de Letras. Saudosa rua e saudosa sucursal da Livraria Bertrand. Obrigado por me lembrar outra vez.

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  3. E eu que tenho procurado isto mesmo. Morei quando era pequena ao pé duma fábrica de cerâmica que lá existiu mas que estado desativada. Obrigada

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