"Quando quiseres visitar-nos, aparece. Dou-te azeitonas das minhas e, com sorte, o pão também."
António Vieira
Na nossa adolescência, aprender qualquer coisa à noite, depois de dez ou mais horas de trabalho árduo, era a possibilidade para quem não tinha outras.
Depois das aulas conversava-se sobre o dia-a-dia local nacional e também sobre casos longínquos que davam de pensar à rapaziada (alguma). Chessmann e a cela da morte ou o assassinato de John Kennedy, sem Marilyn Monroe, obviamente.
Fosse como fosse, tantos noa casos paridos pela besta capitalista como noutros havia sempre motivo de conversa. Era evidente que sabias mais do que eu. És mais velho com os diabos!
Desapareceste daqui. Já não me lembro como mas soube que esturricavas os neurónios no Lisboa & Açores. O certo é que te encontrei e pagaste-me o almoço no café Aviz, nos Restauradores. Bife à antiga, suponho. Mais tarde encontramo-nos à saída do Pavilhão dos Desportos. Era uma iniciativa do partido.
Conferência económica, salvo erro. Depois em S. Pedro, há pouco tempo. E pronto. Setenta anos. Ainda tens muitos mais para viver e pensar. Cuida de ti. Que tenhas um dia feliz com a família porque hoje em dia, ainda é o melhor que há.
Um abraço
António Vieira
Habitualmente éramos três: eu, o Vieira e o Manel Cerdeira que já nos deixou.
ResponderEliminarSaíamos das aulas às 11 da noite, descíamos a rua e, mesmo quando o frio rachava, não tínhamos grande pressa de ir para a cama.
Motivos de conversa tínhamos sempre, como diz o Vieira, mas não sei mesmo se algum sabia mais do que os outros.
No meu caso, estava ainda no período de adaptação à cidade e, agora à distância, reconheço que fui bem acolhido pelos primeiros amigos que tive.
Nem todos tiveram essa sorte, muitos dos que vinham das aldeias para arranjar os seus empregos nas lojas ou nas oficinas, eram, nos primeiros tempos, olhados pelos da cidade com um certo desdém e gozados pela sua linguagem ou hábitos, sendo apelidados de matarruanos.
Com os primeiros amigos, aprendi a conhecer a cidade e adquiri novos hábitos
O Manel, ensinou-me a gostar de cinema. Para além de histórias aos quadradinhos (como se chamava à B:D.) lia tudo o que podia sobre cinema. James Dean era o seu herói que, até nos gestos, procurava imitar.
Vimos grandes filmes, às vezes com faltas às aulas, e cedo verificámos que gostávamos das mesmas coisas.
Os Miseráveis (com Jean Gabin) foi o primeiro grande filme que vimos juntos. Um deslumbramento, nomeadamente para um garoto de 12/13 anos recém vindo de S. Pedro do Rio Seco, onde só tinha visto A Vida de Cristo projectada num lençol.
A tropa e a emigração para Lisboa separou-nos, penso que o Vieira, continuou no Rafael (construtor) e o Manel na Gazcidla..
Foi com grande satisfação que reencontrei, há 3 anos o Vieira, em S. Pedro, com a sua mulher a Olímpia que tinha sido minha colega na F. Gião.
Colega…quer dizer, ela era a contabilista, formada no primeiro curso da Escola Comercial da Guarda, enquanto eu, na altura, não passava de um marçano ou, quando muito, aspirante a caixeiro.