quinta-feira, 31 de maio de 2012

Histórias de Guerra 4 - Férias Em Angola

"Tu foste o principal estratega. Estabeleceste o percurso, as paragens os tempos de estadia, tudo certinho."
Diogo Gomes


Já não sei muito bem como nasceu o nosso propósito de fazermos as férias por lá. Uma parte da rapaziada, os mais afortunados ou nem por isso, mas talvez mais saudosos, iam para casa matar saudades. Nós decidimos gastar o dinheiro equivalente fazendo férias lá dentro uma vez que, estando naquelas lonjuras onde provavelmente nunca mais voltaríamos, seria de aproveitar e conhecer melhor a outra parte do território onde não havia lutas nem ânimos alterados. Juntou-se o Coelho, morteiral mais sisudo que na altura estava connosco no Dinge, delineou-se a estratégia e a ideia foi amadurecendo e ganhando forma.

Tu foste o principal estratega. Estabeleceste o percurso, as paragens os tempos de estadia, tudo certinho. E foi. Já nem me lembro como foi das estadias, se marcámos ou fomos à aventura. Claro que não marcámos. Não havia telemóveis, nem faxes nem nada que se parecesse. Bendita juventude que não tem medo do abismo. Nada nos metia medo. Nem a minha carta, novinha em folha. Teríamos que nos revezar na condução e um condutor mais daria descanso aos outros. Ainda hoje me espanto com a vossa coragem de admitir que um tipo que nunca antes tinha conduzido pegasse no volante para uma viagem daquelas. Há almas boas!!!

Tudo começou, em Luanda, pelo aluguer do carro. Acho que foi um Ford Cortina ou estou enganado? A primeira paragem julgo que foi em Benguela. Ainda hoje recordo o por de sol, na praia morena, que me marcou pela serenidade que o anseio de paz agudizava. A sessão de cinema ao ar livre, no Kalunga, acho que era assim que se chamava. Depois o Lobito, penso que ficávamos um dia ou dois em cada cidade já não me consigo recordar. Mais estrada e Sá da Bandeira, ou Nova Lisboa? Não tenho o mapa já não sei onde se situam as cidades. Não, acho que primeiro foi Malange, com a imponência das quedas do Duque de Bragança.

 Únicos visitantes, enchemos os olhos e a alma com tanta beleza selvagem e liberdade que já tínhamos esquecido que existia. O fragor da água a cair daquelas alturas fica para sempre nos nossos ouvidos. Paisagem indescritível para três almas que em cima do penedo contemplavam embevecidamente tal maravilha com que a natureza nos brinda. Mais uma vez as fotografias aqui eram fundamentais. Em Sá da Bandeira, seria, estivemos na fenda da Tundavala, fenómeno natural de clivagem vertical na rocha, uma elevação imensa a solicitar respeito pela natureza. Paisagem única a bendizer a decisão das férias para sul Também foi por aí que estivemos com uma tribo de nativos que usavam bosta de vaca nos cabelos em vez de brilcream. Qual era a étnia? A memória prega-nos partidas, não é ainda o senhor alemão que nos faz esquecer as coisas, não. Talvez amanhã quando voltar a escrever me recorde.

Agora me lembro que acho que preparámos melhor a viagem e escrevemos para o Turismo a pedir informações e mapas. Tenho lá por casa mapas, fotografias e demais informação que nos serviu para a viagem. Lembro-me de ter escrito para Lisboa, para um centro de turismo que havia ali na avenida da Liberdade, palácio não sei das quantas. Isto já está a ficar muito baralhado e fora de cronologia mas tu entendes porque na nossa memória está cá tudo. O itinerário que estabeleceste levava-nos até ao fundo de Angola, Moçâmedes e Baía dos Tigres. Em Moçâmedes, no deserto, tirámos fotografias em cima da planta carnívora, única no mundo, como de costume, a Welvitchia Mirabilis. Desta lembras-te de certeza.

Depois fomos à procura duma madrinha de guerra que eu por ali tinha. Trabalhava numa papelaria ou livraria e lá demos com ela. Era um bocadinho feiosa coitadinha. Coisas da guerra. Acho que na Baía dos Tigres comemos uma mariscada ou um peixe qualquer especial, já não me lembro bem. É engraçado como não tenho a mínima ideia daquilo que comemos pelo caminho. Hoje as minha papilas não perdoavam e de certeza que só comeríamos coisa muito boas. Como os tempos mudam. E também as vontades. Esta viagem durou o exacto tempo das nossas férias. Andámos um mês inteirinho a viajar.

(Continua)

Diogo

1 comentário:

Comente este post