quarta-feira, 16 de maio de 2012

Recordando

"Ao Armando Queirós, com um abraço fraterno de um amigo que aguardará ainda sete meses para se tornar também septuagenário."
Carlos Esperança


  Quando a Patrícia me pediu um texto sobre o pai, para uma surpresa no 70.º aniversário, tive um sobressalto. Não vi dificuldade na tarefa nem grande a exigência da prosa, para felicitar um amigo, mas dei-me conta da velocidade com que percorremos o tempo que nos coube, da vida decorrida com a maior celeridade histórica de todos os tempos.

Comecei por lembrar-me de S. Pedro do Rio Seco, aldeia cujo nome faz jus à evocação beata de um santo e à realidade dura do clima. Foi ali, a poucos quilómetros da sede do concelho de Almeida, na Casa da Varanda, cujas escaleiras Aida Teixeira subia e descia para acudir à lide da casa, que começaram os filhos a encher-lhe a casa e as preocupações enquanto o Ti Zé Queirós escanhoava os queixos dos conterrâneos ou procurava tirar da terra avara o incerto sustento.
É difícil imaginar o que era a vida de um casal de parcos recursos, que teve notícias do começo da guerra já com um filho nos braços e soube do fim com o quarto a caminho, todos varões, e sem a esperança de um futuro desejado. Os apertos eram tantos que o marido emigrou para África deixando a mercearia, as hortas e os filhos à mulher e ao António, que, com cerca de onze anos, devia ajudá-la a cuidar do Armando, do Norberto e do Luís. Deixou-lhe as canseiras e preocupações e livrou-a de mais filhos, até a doença e a pouca sorte o devolver à aldeia, seis anos depois, tão pobre como partira e com a cabeça ainda cheia de sonhos. 

Foi a decisão de emigrarem para fora cá dentro, antecipando-se a um slogan publicitário que estava longe de ser criado, que os levou para a Guarda, a localidade mais próxima onde era possível estudar além da 4.ª classe reservada aos rapazes ou da 3.ª que Salazar considerava suficiente para as meninas. A Ti Aida, que seria dona se tivesse casado dentro da sua classe social, e que a condição do homem, barbeiro e agricultor, reduziu à sua classe, abriu então uma casa de hóspedes que, à partida, já contava com seis, casal e filhos. Foi por entre tachos e panelas, a cozinhar para os comensais, enquanto o ti Queirós atendia clientes na tasca, no rés-do-chão, que aquela mãe coragem conseguia cuidar de cinco homens, esquecendo-se de si. 

Creio que ela previu que os filhos eram uma ínclita geração passada despercebida por entre os filhos de doutores e que raros casais dariam tantos e tão bons profissionais ao país. Vieram de uma terra que é hoje um cemitério de velhos e que foi, nesses tempos de fome e senhas de racionamento, um alfobre de quadros. Os quatro filhos tornaram-se profissionais distintos, honraram os apelidos que herdaram e, mais do que as alturas a que o mérito os alcandorou, foi a espinha dorsal direita, a capacidade de resistência à adversidade e a honradez que os tornou credores do respeito de que gozam e da estima que merecem. 

Carlos Esperança

1 comentário:

  1. Meu caro A.C.B.E.ou, se preferires, Néné:

    Quando li a saudação que, aquí, fizeste ao Armano Queirós, senti um enorme impulso para te dizer qualquer coisa. Não um comentário ao "retrato" que fizeste das graças e desgraças da família Queirós. Quási tudo o que disseste, eu já conhecia. É um esboço simples, objectivo e muito realista que retrata bem uma época, uma região e...muitas dificuldades. Como esta família, houve muitas mais que passaram idênticos tormentos e,infelizmente, com muito menos sucessos. Creio que os pais do quarteto ainda tiveram a oportunidade de saborear as venturas dos filhos. Pena foi que não tivessem vivido mais tempo. Uns e outros, bem o mereciam.
    Li o teu escrito na diagonal, tal era a pressa em te dizer qualquer coisa. Não perdi tempo e desatei a carregar nas teclas mas perdi o texto que te queria enviar. A idade e a aselhice são os principais responsáveis por esta minha incompatibilidade com as novas tecnologias. O resultado foi o óbvio: não gravei,meti os pés pelas mãos e lá se foi o texto. Não se terá perdido grande coisa mas , pelo menos, era espontâneo. Isto já pouco tem a ver com o que , nele , eu dizia.
    Passam 32 anos sobre a ultima vez que "tropeçámos " um no outro ao virar duma esquina da Marinha Grande. Antes disso, sofremos as mesmas desventuras duma parte da infância vivida tropeçando nas pedras húmidas e frias das calçadas escuras e tristes da invernosa Guarda.
    Eu tenho o privilégio de te conhecer melhor a ti do que tu a mim. A culpa é toda tua. Quando pegava no Expresso, a primeira página que ia ver era a das "Cartas à Redacção" onde esperava ver e muitas vezes encontrava um texto teu onde não escondias quem és e o que pensas. Agradeço-te por isso e também porque ao deixares de deitar pérolas a porcos me desobrigaste de fazer mais uma pequena despesa semanal que era um pequeno contributo para o "império Balsemão". Fugiste para a Ponte Europa e devo confessar que ,muitas vezes , me esqueço de por lá passar mas no ùltimo dia 13, ao virar da primeira linha, já sabia quem ia assinar o texto. Não tinha outra esperança que não fosse o Esperança. Assim eu acertasse no euro-milhões !!! Por ser o dia que era, tive uma refreada vontade de ligar para o Queirós e pedir-lhe que lesse o teu brilhante desafio à inteligência e à lógica. Acho que fiz bem em não perturbar o reconfortante encontro familiar a propósito dos coincidentes aniversários do Armando Queirós e do neto do Norberto Queirós. Eles não têm culpa nenhuma de terem nascido no mesmo dia em que a Santa Madre Igreja festeja as 24 horas mais exaltantes para o "fartar vilanagem" de toda a fina flor do rapinanço carteiristico dos oportunistas aproveitadores do alheio que se reunem para aliviar as magras bolsas dos papalvos convocados para a Cova da Iria em busca de tantas desgraçadas graças .
    Hoje fico por aquí. Vamos ver se este bilhete postal chega ao destino. Como remetente, ponho só as três letras primeiras do meu nome. As outras duas , ficam ao dispor da tua brilhante memória que, dos meus conhecidos e amigos, só encontra concorrência com a do Queirós.
    Um abraço do A.J.D....

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