domingo, 3 de junho de 2012

Viagens sem Passaporte

"...fiz muitas viagens à sua custa."
Luís


 Quando se convive de perto com uma pessoa, quando a vemos crescer e envelhecer ao nosso lado, a vida dessa pessoa, de alguma forma, passa a fazer parte de nós próprios. Por isso é, ao mesmo tempo, fácil e difícil falar dela. Fácil, porque se conhece bem, mas difícil porque ficará sempre muita coisa por dizer.

O Armando é um homem cheio de qualidades: é inteligente e observador perspicaz, tem um sentido muito crítico sobre as coisas e uma perceção única do meio envolvente. É um psicólogo nato. Retrata por vezes de forma acutilante e implacável - mas sempre tolerante e bem humorada - as pessoas que o rodeiam.

Ele sabe partilhar como ninguém as suas experiências de vida, relata com um sentido de humor e com vivacidade e minúcia essas experiências. E eu, que sempre o ouço com interesse e com agrado, às vezes mesmo com entusiasmo, partilhei com ele muitas das suas vivências, e, sem sair da comodidade da minha casa, participei do seu dia-a-dia, e até fiz muitas viagens à sua custa.

Ainda adolescente, comecei a conhecer Portugal pelos olhos dele, e foi ele que me mostrou o mar pela primeira vez quando fomos, com o Mendonça, fazer uma viagem pelo litoral, onde visitámos as praias com os os areais imensos que calcorreávamos descalços convencidos que íamos endurecer e calejar os pés para melhor enfrentar as frieiras dos duros invernos da Guarda.

Trabalhei com ele na loja "F. Gião" onde conheci o Sr. Nascimento, para quem consertar um rádio não tinha segredos, o gerente Sr. Amílcar, algo enigmático, o Sr. Flores, que veio para o Sanatório da Guarda e se fixou na cidade, e o Chico que era um jovem aprendiz natural de uma aldeia sobranceira ao vale do Mondego.

 Mais tarde, desembarcámos os dois em Cabinda nos batelões da tropa quando fomos, em missão de soberania, ocupar o edifício abandonado de um velha missão junto à fronteira com o Congo Francês. Lembro-me bem do Belga, que vendia gasolina aos militares, e do padeiro que nos comprava a farinha e nos vendia o pão. Comemos o Bife da Casa nas surtidas que fazíamos à cidade, e, juntos, deambulámos pelas praias de Landana. E numas férias, com mais dois amigos, percorremos, num carro alugado, todo o litoral de Angola, de Luanda a Porto Alexandre.

Trabalhámos juntos no Banco Lisboa & Açores , onde nos divertíamos com as histórias do velho Macedo que todos os dias ia ao Nicola comer o seu meio bife e já nem precisava pedir para ser servido, do Jaime, o "da burra", que assim chamávamos por que tinha uma burra em Colares, e de um outro, o Vitor Manuel, que engraçou com o nome de um colega, e repetia à exaustão: "o mê amigo Lavadinho". E foi lá que conheci a austera figura de Vitorino Vasconcelos Almada, que chefiava um departamento, e que um dia, para realçar a importância da sua pessoa, nos disse com ar solene: "Hoje fui almoçar com uma mescla de amigos, pessoas com quem vocês não contactam".

 Fizemos outras viagens maravilhosas e inesquecíveis. Estivemos no terminus da estrada transamericana em Ushuaia, no extremo sul da Patagónia, nas margens do canal de Beagle; comtemplámos, deslumbrados, o espetáculo que é o glaciar Perito Moreno, no parque dos glaciares, onde chegámos vindos de Calafate. E fomos visitar a Barranca del Cobre, no México, onde viajámos no famoso comboio "El Chepe" de Los Mochis para Chihuahua. Fomos os primeiros portugueses a almoçar em Salta - cidade que fica no noroeste da Argentina - num famoso restaurante onde o proprietário, Capeto Dias, cozinhou exclusivamente para nós e nos ofereceu do seu melhor vinho.

 E poderia incluir neste roteiro outros países e outras emocionantes aventuras: Marrocos, a Dinamarca, a Turquia, a Rússia, etc... não esquecendo as incursões pelo Alentejo (onde íamos atrás do queijo do Sr. Abraços) e por Trás os Montes. E nessas viagens não posso deixar de recordar a figura, tantas vezes presente, do saudoso Joaquim Pereira e da Orlanda, sua mulher.

Costuma-se dizer que escolhemos os amigos mas não escolhemos os irmãos. Eu não escolhi o Armando como irmão, mas escolhi-o como amigo.

Luís

3 comentários:

  1. Para além de outros comentários que, provavelmente, virei a fazer não posso, desde já, deixar de manifestar a mais profunda critica pela desconsideração para com o gastrónomo que já serviu Presidentes e Papas, que te serviu o seu melhor vinho e cozinhou para ti os mais típicas iguarias adaptadas da cozinha indígena e ainda te ofereceu um livro e cópia de um outro que iria publicar.
    E depois disto tudo, chamas-lhe Capeto?
    Não acredito que tenha sido por ignorância, só pode ter sido por ingratidão que tenhas esquecido o nome de TOPETO DIAZ

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tens razão quanto à ingratidão. deve ser da idade ou do tempo passado. não é concerteza por desconsideração pelo personagem. Quem poderia algum dia esquecer a excelência da figura de Roberto Argentino Diaz “Topeto” que hoje faz parte da história gastronómica de Salta.

      Não sei se fomos a Salta por este motivo mas isso fazia seguramante parte da nossa missão.
      Lembro-me que procurámos com antecedencia a “Casa Diaz” mas não vimos nada parecido com um restaurante. Quando voltámos, no dia seguinte, surgiu-nos a figura de um homem imponente que com a sua barba faria lembrar Ernest Heminguay (com menos cabelo).

      Mas os detalhes é tu que os tens. És mais e melhor observador e conservas uma memória que eu já não tenho. Por isso convido-te a escrever para o blog a história de “Topeto” Diaz e do almoço de Salta para que fique registada para os vindouros

      Luís

      Eliminar
  2. E assim fico a saber que o meu pai esteve na Argentina! Este site é só segredos e histórias nunca contadas, uma maravilha!!

    ResponderEliminar

Comente este post