"...tu és o Autor de um dos melhores contos que já li: “Perdoe-me, Senhora Aida“ "
Fernanda Sanches
Já todos disseram das qualidades de que és portador, com o que eu concordo totalmente. Mas acrescento eu que tu és o Autor de um dos melhores contos que já li: “Perdoe-me, Senhora Aida“, inserido no livro Unindo Gerações, que vós, os quatro irmãos, dedicastes à vossa Mãe.
Um braço amigo, com votos de uma longa vida cheia de saúde e felicidade.
Fernanda Sanches
PS: A Administração do Blogue apresenta abaixo o texto nomeado, que revela bem a sensibilidade e as qualidades literárias do Armando
Perdoe-me, Senhora AidaPor Armando QueirósPassados mais de cinquenta anos ainda não é fácil falar, de uma forma impassível, da filha mais nova do ti Morgado - a Cândida. Já não há muitas pessoas a lembrar-se desta jovem, da vida que levou e da forma abrupta como nos deixou.Tendo ficado órfã de mãe, que não sei se terá conhecido, e com uma irmã mais velha – a Adelina - já casada e a residir noutra localidade, teve que assumir, numa casa rural, tarefas que pela idade, ainda não estaria preparada. Pela sua postura e comportamento era admirada e acarinhada por toda a vizinhança e mesmo por todo o povo. No entanto, estou certo que não terá sentido durante a sua curta vida grandes manifestações de afecto, se tivermos em conta a dificuldade, talvez pelas ásperas condições de vida, que toda aquela gente sentia em se relacionar de forma afectuosa.Com a nossa família manteve sempre uma grande proximidade, nomeadamente com a nossa mãe que tratava de forma respeitosa por Senhora Aida e que, em certos momentos, terá porventura assumido o papel da conselheira maternal que não teve. Lembro-me de muitas vezes ao fim da tarde, ela pedir à minha mãe para que eu a acompanhasse a levar a ceia ao pastor que era o ti Morgado, seu pai, e que dormia numa choça que ia mudando de local conforme a disponibilidade de pastagem. Fui, assim, algumas vezes com ela ali para os lados do Malavado, levar a ceia ao ti Morgado. Regressava, por vezes, já noite escura, sendo talvez essa razão para gostar de ir acompanhada.Numa ocasião, a Cândida deslocou-se à Freineda para ver a irmã mais velha; não regressou por causa de uma qualquer doença súbita, bastante grave, dizia-se. As mulheres e moças de S. Pedro começaram a deslocar-se diariamente, em pequenos grupos, à Freineda para ver a Cândida, e comentavam a evolução da doença. Ninguém sabia dizer qual era o mal, tendo surgido todas as hipóteses que as imaginações nestas alturas permitem. A nossa mãe ficou preocupada por ter verificado, no dia em que lhe coube a visita, que se tratava de um caso com alguma gravidade, e ficou bastante intrigada por a Cândida lhe ter pedido perdão.Até que numa noite, parou um carro na nossa rua à porta dos Morgados, e a nossa mãe, depois de confirmar o que já palpitava, foi acordar a Tia Alice a quem pediu para fazer um vestido branco para amortalhar uma noiva que nunca seria.Algum tempo após este fatídico dia, as mulheres começaram a ter umas conversas que nós – os garotos – não percebíamos muito bem, até porque elas evitavam ser muito claras na nossa frente. Falavam em nomes de homens, uns solteiros outros casados, se teria sido de sua livre vontade, se teria sido forçada. Mas percebiamos, pelas conversas, que a Cândida se teria deslocado à Guarda para resolver um problema.As coisas teriam acalmado naturalmente não fosse uma figura sinistra, que permaneceu durante uns anos lá na terra, se ter referido ao caso, num discurso duma missa de Domingo. Condenava ele, abertamente, o uso daquele vestido branco, símbolo da pureza, por quem já não o merecia. Mas nós – os garotos – só viríamos a perceber tudo isto quando deixámos de o ser.
Não fossemos todos lá das berças e a Fernanda do Veiga e o Veiga da Fernanda, não seriam tratados pelos nossos filhos e netos por tu cá, tu lá.
ResponderEliminarTeriam direito a TIA Fernanda e a TIO Luís.
Este casal que deus fez, já com o propósito de, passados uns anos, os vir a juntar, pensa ainda que se encontraram e atraíram mutuamente, através de qualquer acaso, resolvendo viver em conjunto o resto das suas vidas até que a morte os separe. Nada disso. As leis da Terra não chegariam a tanto.
Como os deuses por vezes também se enganam, houve na criação destes dois seres um pequeno descuido, era para terem sido integrados na mesma árvore genealógica de uns tais Queiroses, criados para cresceram em S. Pedro do Rio Seco quando, por desvio de rota, surgem à luz do dia ali numas terras mais para cá da raia.
Mas como o que conta é a intenção, e a intenção divina estava lá, a Fernanda do Veiga e o Veiga da Fernanda, estiveram sempre mais condicionados pelos desígnios da alma do que pelas análises do sangue.
E o que vem da alma, a razão não explica. É como aquela mãe que perante um pelotão em que o filho marcha com o passo trocado exclama: Exceptuando o meu filho ninguém tem o passo certo.