"Recordo o Armando Queirós como uma pessoa simples e despretensiosa, sempre bem disposto e bom conversador..."
António Ambrósio
Ao longo da minha actividade profissional, como consultor e formador desde 1982, foi-me grato cruzar-me com imensas pessoas – desde clientes a colegas de trabalho.
De alguns já pouco ou nada me recordo, seja pelo efeito erosivo do tempo ou pelas poucas marcas que deixaram. Não foi este o caso de Armando Queirós, que apesar dos trinta anos passados e do curto período em que profissionalmente convivemos, mantenho ainda com razoável nitidez esse tempo na memória.
Efectivamente, em 1982 numa das minhas frequentes deslocações profissionais a África, fui realizar um trabalho durante cerca de três meses ao Lubango (antiga Sá da Bandeira), Angola. Durante essas estadias, deslocados e longe do nosso meio habitual (família, amigos, lugares, etc.), os dias passam lentos e a data do regresso tarda sempre em chegar. Nestas circunstâncias, as boas companhias constituem sempre um óptimo antídoto para esse efeito. Na verdade, tive a sorte de mais ou menos a meio dessa minha estadia, ver chegar ao mesmo Hotel onde eu me hospedava (Grande Hotel da Huíla) um novo colega de trabalho, consultor externo convidado pontualmente para um projecto no Lubango.
Não o conhecia, mas rapidamente me apercebi que seria uma óptima companhia, o tal antídoto! O Armando Queirós não esteve lá muito tempo (cerca de três semanas talvez), mas naquelas circunstâncias eramos quase sempre “obrigados” a conviver em permanência com os vários colegas que nos encontrássemos a trabalhar nas mesmas cidades (daí também as companhias menos agradáveis se tornarem por vezes mais pesadas e desgastantes) – fazer as refeições juntos, dar umas voltas a pé pela cidade, ver um filme no cinema local (cujos bilhetes eram adquiridos mediante sofisticadas estratégias) e pouco mais, já que dada a situação de guerra que se vivia, não era seguro sair das cidades.
Recordo o Armando Queirós como uma pessoa simples e despretensiosa, sempre bem disposto e bom conversador, de óptimo trato e com a característica marcante de ser beirão e do meu distrito ainda por cima (a Guarda!) – óptimos ingredientes para uma sã e descongestionante convivência. Lembro-me também que levava a incumbência e grande preocupação extra profissional (que cumpriu!) de apresentar cumprimentos ao então Governador da Província da Huíla – Kundy Paiama, da parte de uma pessoa amiga a viver em Lisboa.
Já em Lisboa, trabalhando eu na Av. 5 de Outubro, algumas vezes o fui ainda visitar às instalações do Banco onde trabalhava na Av. da República. Entretanto julgo ter mudado de local de trabalho, perdendo o contacto a partir daí.
Alguns anos mais tarde, há cerca de quatro anos e através de um amigo comum e hobbies igualmente comuns (a vela), vim a conhecer o Luís Queirós, o qual logo no início da conversa me pareceu estar na presença de alguém que me era familiar.
Não me enganei totalmente. Bastaram dois ou três indícios e rapidamente concluí que embora nunca o tendo visto, ele me avivou a memória para alguém com características muito próximas (fisionómicas e essencialmente relacionais) – o Armando Queirós.
Nos nossos percursos mais diversos é sempre grato conhecermos e relacionarmo-nos com os outros, particularmente se os outros forem pessoas assim – ainda que estejamos trinta anos sem contacto!
Um grande abraço Armando, neste teu septuagésimo aniversário, desejando que tenhamos a oportunidade de o voltar a fazer daqui a outros trinta anos!
António Manuel Ambrósio
A estadia em Angola relatada pelo Ambrósio foi num daqueles períodos mais difíceis da guerra entre o MPLA e a UNITA.
ResponderEliminarNo dia anterior ao da partida de Luanda para o Lubango (antiga Sá da Bandeira) telefonámos à família e informámos que não sabíamos quando poderíamos voltar a telefonar. As comunicações a partir de lá eram muito complicadas.
No Lubango, sentia-se o clima de guerra em todo lado, até no hotel. Lembro-me de uma mãe que procurava desesperadamente um filho de quem, há muito tempo, não tinha notícias.
Mas no meio de tudo aquilo houve episódios menos tristes que se tornaram inesquecíveis. Relembro o jantar oferecido pelo Batista.
O Batista era o destinatário duma carta, enviada por um seu amigo de Portugal, de que eu fui o portador.
A carta foi entregue no Banco onde o destinatário era gerente e considerei, portanto, a missão cumprida.
Ao fim da tarde apareceu o Batista no hotel, dizendo que estava muito agradecido e que se eu era amigo do seu amigo, era já seu amigo também e que tínhamos que celebrar esse facto com um jantar na sua casa.
Como não o conhecia, comecei por escusar, dizendo que estava com mais dois colegas, (Ambrósio e Fátima) que jantava todos os dias com eles, não os podia abandonar.
Não há problema, os seus colegas estão convidados também e Sexta à noite o meu cunhado que tem um carro vem aqui para os levar até minha casa. Não pudemos recusar, tanto pela insistência como pela simpatia que já começávamos a sentir pelo Batista.
Sexta à noite, o cunhado lá estava para nos transportar, numa camioneta de caixa aberta. A Fátima viajou na cabine, eu e o Ambrósio, atrás, lá fomos percorrendo estradas e ruas mal iluminadas até que chegámos a uma sanzala, onde ficava a casa do Batista.
Entrámos na palhota onde nos esperava a mulher e filhas do Batista e outras pessoas que seriam familiares ou vizinhos. Africanos sem qualquer disfarce, tanto na apresentação como no comportamento.
É impossível contar o prazer que tivemos em ter partilhado um jantar com aquela família e naquele ambiente. Se tivesse sido numa sala de jantar de qualquer moradia de um outro gerente bancário, provavelmente, já o teríamos esquecido.
O Batista militante convicto do MPLA, acreditava sinceramente que a pacificação de Angola estava para breve e virado para o enorme fotografia de Agostinho Neto, já falecido, exclamava de mão estendida: “Aquele Homem, se aquele Homem não tivesse desaparecido ….”.
Faltou a este jantar uma pessoa. Quem fosse capaz de fazer uma crónica à sua altura. Nem sempre a pessoa certa está no lugar certo.