domingo, 17 de junho de 2012

(3) Não Tenho Defesa Possivel

"concedo-lhes uma oportunidade de se redimirem, repondo a minha imagem de pessoa respeitável, quando participarem no próximo blog: 
 Dez anos passam depressa."
Armando



 Mas quem diabo se lembrou de convidar os meus camaradas da tropa, para falar do meu passado? Com estes, era óbvio. Já um pouco gagás e como vergonha já não lhes resta muita, tinha que ficar completamente em pelota.

Há obrigações mínimas de camaradagem que deviam ser respeitadas. Ou porque os neurónios activos já não são muitos ou por falta de pudor, não tiveram o mínimo pejo de revelar ao mundo que eu era “o Belga”. Já agora, perdido por cem perdidos por mil, poderiam ter acrescentado que também havia quem me chamasse “o Valvulinas”.

Mas o pior nem foi revelarem a alcunha. Quando eu já tinha preparadas umas quantas histórias para contar ao meu neto sobre os meus actos heróicos durante a guerra, aparece agora, preto no branco, que afinal o meu papel se resumiu a manter em andamento uns carros podres que por lá andavam e a aturar uns reguilas que os conduziam. O que é que o meu neto vai pensar de um avô que andou numa guerra e nem a uma G 3 teve direito? Uma FBP para defesa pessoal e nem sei se funcionava.

Ainda bem que se esqueceram de dizer que naquilo a que os militares chamam “Aprumo”, fui o mais bandalho até ao último minuto, de tal forma que até para o desembarque tive que pedir uma camisa emprestada.

E quando só já me restavam as cuecas, ainda com uma leve esperança de não ficar completamente encoiro, lá vêm colegas do Banco lançar-me a acusação de ter assumido a função de representante do inimigo, ou seja, dos exploradores da sua força de trabalho. Lá se foi a reputação profissional que levei anos a fabricar e a fama de activista sindical em defesa do proletariado.

E já completamente despido, com tudo à mostra, surgem de todo lado, como setas contra S. Sebastião, declarações, aparentemente ingénuas, que deixam qualquer cidadão sem a mínima possibilidade de conviver em sociedade Desde a denúncia de ter dado guarida a gente que não acatava os sagrados princípios da ordem estabelecida e, como tal, permanentemente procurada pela polícia.

Os furtos praticados em pinhais de vizinhos. As viagens de pé-descalço “de campismo em campismo, de sandocha atrás de sandocha” e não aquelas viagens fantásticas que, em certos círculos, costumava relatar. O bife pedido por um convidado depois de uma refeição lá em casa; denunciando como eram recebidas as visitas no Monte Abraão. Até, forreta, chatinho e machista me chamaram.

Não tenho defesa possível.

Tudo serviu para que, a partir de agora, tenha que me manter numa espécie de prisão domiciliária e não tenha mais cara para pôr os pés na rua (nem pés nem o resto). Valha-me ao menos a frontalidade daquele indígena de Pedrógão Grande (de uma terra que aqui não digo o nome) que sem subterfúgios foi directo ao assunto, ao proclamar: “ O gajo não presta”.

Muitos ficarão desiludidos, esperariam que lhes agradecesse as amáveis palavras que me dirigiram. Estou, de facto, muito grato pelo esforço que fizeram, apesar de, a não terem medido as consequências, me terem deixado neste estado deplorável. De qualquer maneira e como prova que não estou ressentido, concedo-lhes uma oportunidade de se redimirem, repondo a minha imagem de pessoa respeitável, quando participarem no próximo blog:

80aindacaandas.blogspot.com

 Dez anos passam depressa.

Armando

1 comentário:

  1. Meu caro Cândido:
    És a materialização humana mais próxima que conheço dum espírito plácido, que só existe nalguns versos já p'ró clássico. Tratas o mundo e a vida à distância a que estão, sem lhe dares demasiada confiança nem desatares aos tiros.
    Na tua vida prática misturas (parece-me) o epicurismo necessário, o estoicismo indispensável, e o hedonismo possível.
    Ser sábio consiste nisso, exactamente. Aceder ao prazer, sem sucumbir à dor.
    O que te quero dizer é que é um grande privilégio conhecer-te, ser teu amigo e aprender contigo.
    Dá mais dez anos à malta, que já os prometeste!

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