segunda-feira, 11 de junho de 2012

Retrato em Dois Tempos - Segundo


"...vou lembrar o Armando que conheço:"
José Ribeiro

O Armando bem disposto, que tem sempre uma estória oportuna (É interessante que nas muitas horas de conversa, nas muitas peripécias que contaste nunca entrava a deslealdade, a vingança, a incompetência a traição), o Armando que tem gosto e jeito para tudo arranjar: o que pinta a casa, o que até chegou a arranjar sapatos…

Voltando ao princípio: O desafio que a Fátima me fez foi sobre o pretexto de que fazias anos (não me disse quantos…) e que queria oferecer-te os textos dos amigos como prenda… (é inteligente a Fátima…dá trabalho aos amigos, põe a nu as suas insuficiências e ainda por cima dá uma prenda original).

Mas com a idade que tens, pode-se dizer que entraste na idade filosófica. (Já tinhas ouvido esta?), a idade da observação, da reflexão, da ponderação da análise e distanciamento críticos (e, talvez, nostálgicos,) de a tudo dar sentido, de tudo ligar e relacionar como o tecelão que unindo criativamente retalhos que já tiveram uma outra função em um outro contexto, nos mostra e revela uma nova, única, bela, e original obra de arte.

É este poder de reflexão, potenciado pelo ócio que nos é permitido viver, que nos possibilita e permite relativizar, julgar da verdadeira importância das coisas que no momento em que ocorrem parecem ser de uma importância descomunal e que à distância do tempo ganham a sua real dimensão: coisas que são significativas porque e na medida em que contribuíram para o evoluir da nossa vida, para fazer de nós o que nós somos. E o que somos?

Contaste a história do miúdo de 12 anos que um dia toca à porta a perguntar se tens sapatos para engraxar. E perguntaste: O que é que isto significa? O que faz com que ele em vez de ir pedir esmolas prefira receber em troco da prestação de um serviço? Em vez de andar a tocar às portas não anda pura e simplesmente a brincar ou, então, porque não se junta a outros e tenta roubar? O que faz com que uma criança queira mais, não se contente com o que tem, aceite o sacrifício de um caminho difícil e, ainda, o que fará com que escolha o caminho certo? (haverá o caminho certo?). O que fará com que mesmo insatisfeito com a situação que tem não enverede por caminhos mais fáceis?

Na tua vida conviveste, de certeza, com a deslealdade, com as máscaras de indivíduos sem princípios que, por ambição pessoal ou estupidez, ou mau carácter, atropelavam os outros, cultivavam a inveja, o ódio, tentavam espezinhar os outros para subir. Porque não contas destes casos?- Talvez porque só reténs o essencial: a justiça, a inteligência, o sentido de humor, a sensatez, a coragem… Traços que aprecias e cultivas e transmites. Talvez porque só recordamos aquilo que verdadeiramente nos construiu e o que nós construímos na relação com os outros e com as coisas que nos envolveram.

Um abraço do Zé Ribeiro

P.S. Não queres responder às questões que coloquei

1 comentário:

  1. Quando fui morar para a Mário Chico, o Alexandre, meu amigo e colega de escola, apresentou-me o José Ribeiro que também estava a mudar-se para o mesmo prédio.
    É um prédio com 72 moradores, e o Zé Ribeiro, é o único com quem criei e mantenho um relacionamento, mesmo depois de qualquer de nós já se ter mudado novamente.
    Mal sabia eu, quando o conheci, que iria ter como amigo um indivíduo que trata a filosofia por tu e que utiliza subtilmente os seus conhecimentos no seu discurso, mesmo quando se trata de uma linguagem coloquial.
    Repare-se como ele me chama, Pintor de Paredes e Sapateiro:
    “…o Armando que tem gosto e jeito para tudo arranjar: o que pinta a casa, o que até chegou a arranjar sapatos…”
    Isto é de mestre. Se fosse eu diria mesmo as três palavras correspondentes àquelas profissões.
    Mas se Pintor, percebi o que quer dizer, já quanto a Sapateiro fiquei com dúvidas, porque tanto se chama sapateiro a uma pessoa que arranja sapatos como a quem não tem jeito para nada. Como sou optimista espero que me classifique no primeiro caso.
    Textos assim são uma maravilha, mesmo que não se entenda tudo. Já dizia o seu Nacib na Gabriela, a propósito das conferências do Dr. Argileu Palmeiras (Bacharéis): “Quando não se entende direito é quando é melhor”
    Só não gostei é que me desafie para me pôr a trabalhar. A Fátima não lhe disse quantos anos fiz, mas digo eu. Já lá vão 70.

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