"...inteligente, imprevisível, inesperado, inventivo e insuspeito..."
Sobral Dias
Voltando à nossa relação profissional, eu servi muitas vezes de teste para se afinarem os escritos dirigidos à área comercial (entendendo eu o conteúdo e percebida, por mim, a mensagem pretendida, era suposto que todos compreenderiam).
Era uma situação pouco elogiosa para mim, como é evidente, mas sempre disfarcei, sem esforço, porque o que estava em causa era superior ao sentimento que eu pudesse ter e também porque me era pedida a colaboração a pretexto de dar um contributo para melhorar o escrito. Algumas vezes, o Queirós me fez referência ao facto de eu usar e abusar do palavreado e me sugeria que fosse mais sintético. Ora eu tinha muitos contactos com a rede comercial e sabia das dificuldades que eles sentiam e dúvidas que eu tinha que esclarecer pelo telefone. Por isso, pedia que os documentos saídos para a rede comercial deveriam ser de tal maneira explícitos que não deixassem dúvidas de interpretação porque gerariam problemas e desinteresse pelo objectivo em causa.
Com a sua natural frontalidade, o Queirós me dizia que eu estava a considerar burros os destinatários do texto. Não era nada disso mas nunca, daí, surgiu qualquer diferendo digno desse nome. Vem isto a propósito de eu já me ter alongado bastante cabendo aqui o ditado “ muita parra e pouca uva “.
Tenho disso plena consciência mas não me queria ir embora sem fazer uma rápida (!) passagem pelos irmãos que ele muito considera e estima. O mais velho, conheci-o acidentalmente porque tínhamos um amigo em comum. Era e continuará a ser, certamente, um rapaz cordato, muito responsável e conhecedor dos terrenos que pisa. Há mais de 50 anos que não o vejo. Recordo as sardas que lhe enfeitavam o rosto e umas acentuadas queixas de algumas enfermidades de que destaco uma suposta úlcera duodenal. Passados dois anos de o conhecer, encontrei-o e perguntei-lhe como ia da sua úlcera. Isso valeu-me o mais rasgado e imerecido elogio à minha enfezada memória. Nunca, a isto, fiz qualquer referência ao Queirós (Armando) pois não queria que viesse a ter qualquer influência nas nossas relações, dada a minha situação de subalterno.
O irmão Queirós (da Covilhã) conheci-o por razões de ordem profissional e de quem guardo a melhor impressão não obstante as poucas vezes que convivemos e sei também da estima dos que lhe estavam mais próximos. Do “caçula”, o mais novo do quarteto, o Luís, tenho uma muito ligeira imagem do tempo do liceu porque, naquela altura, os mais velhos pouco ligavam e reparavam nos mais novos. Sei que é muito amigo de outros dois Luíses ( o Veiga e o Rodrigues) que esses eu conheço melhor ; o primeiro porque conhecia já os seus irmãos mais velhos e o segundo porque partilhamos também raízes familiares. Do Luís Queirós sei também da sua intervenção e sucesso na área empresarial. Quis o acaso que uma filha minha trabalhasse numa empresa que é, agora, sua associada.
Parece-me que de facto estou a abusar do espaço e do tempo de quem possa ler e acompanhar este discorrer sobre um “velho!” de 70 anos!!! Excedi-me em considerandos e divagações. Pensei em fazer algo que tivesse princípio, meio e fim mas comecei a carregar nas teclas e , comodamente, saia o que sair, foi no que isto deu. Também não é aos 72 anos que se vai alinhar uma cabeça que alinhada nunca foi! Devo confessar que, inconscientemente, me fui rindo de algumas coisas que fui escrevendo e isso me distraiu também.
Não quero terminar sem agradecer à Patrícia a oportunidade que me deu de, por este meio, relembrar e reviver a convivência que tive com o seu pai. Devo confessar que, para além da amizade e estima que a ele me liga, não conheço mais ninguém com as características que ele tem: inteligente, imprevisível, inesperado, inventivo e insuspeito. De tudo isso, e para não sair dos “is” eu sou só “invejoso!” A ele e a todos os que o rodeiam, desejo longa vida e o melhor dos mundos.
Sobral Dias
Vindos lá das nossas terrinhas, após uma passagem pela Guarda, parece-me que nunca deixámos de ser aqueles dois matarruanos, lá de trás do sol-posto, misturados com gente fina como, por certo, a Manuela que nos topava bem, nos classificaria.
ResponderEliminarSó que o Sobral, com o seu fatinho e a sua gravatinha sempre a condizer, talvez escolhidos pelas mulheres lá de casa, conseguia disfarçar melhor a sua origem beirã, e às vezes até parecia ter vindo ao mundo ali para os lados da Avenida de Roma. E para que não restassem dúvidas até aprendeu a jogar ténis.
Mas diga-se também, em abono da verdade, que nunca se esqueceu como se cultiva uma couve e até conseguiu, no meio urbano onde habita, descobrir um cantinho que lhe garante a sobrevivência, pelo menos em batatas.
Bem lá no fundo manteve-se fiel às suas origens e aos seus princípios, enquanto eu, em certa altura, me passei para o outro lado e actuei como digno representante dos que exploraram a sua força de trabalho.
Os nomes que me deve ter chamado.
Ao que uma pessoa se sujeita.
Se hoje vivo mais aliviado, é porque sei que os crimes que cometi ao serviço dos especuladores financeiros já prescreveram e se alguém ficou com sede de vingança já não a porá em prática. Ninguém gosta de bater num velho.
Ou porque foi perdendo a memória ou porque, fiel aos sagrados princípios da Santa Madre Igreja que a sua mãe lhe ensinou, o Sobral agora até fala bem de mim e parece ter esquecido que já estive ao lado do inimigo e até me concede o prazer da sua presença num almoço, duas vezes por ano.