quinta-feira, 12 de julho de 2012

Dois anos perdidos (2) - Massabi


Tendo nós como missão, a defesa da pátria, a primeira dificuldade, foi saber onde começava ou acabava essa pátria que íamos defender"

Uns tempos antes da nossa chegada tinham sido asfaltados uns escassos quilómetros, até à primeira sanzala, para receber condignamente a visita da veneranda figura do mais alto magistrado da Nação.
Mas foi sol de pouca dura, deu logo para perceber que a distância nem era grande mas as horas para a percorrer iriam ser muitas.

Éramos para aí uns 600 mas, em certa altura, este grupo foi dividido em três, seguindo cada um para o sítio que lhe estava destinado.
E assim fui parar a Massabi, mesmo junto da fronteira com o Congo Brazza.

Tendo nós como missão, a defesa da pátria, a primeira dificuldade, foi saber onde começava ou acabava essa pátria que íamos defender.
Nos mapas estava assinalado um marco que definia a linha da fronteira. Simplesmente, ninguém sabia onde estava. Passados uns tempos lá se encontrou e, então, ficámos todos a saber que a outra pátria (o Congo) começava a cerca de meio quilómetro.

À chegada tivemos de criar todas as condições de sobrevivência. Foram improvisadas instalações, mas alguns tivemos a sorte de ficar numas casas que teriam pertencido a uma organização de missionários holandeses. Até conseguíamos tomar banho desde que previamente enchêssemos uma cisterna com água transportada em bidões e a bombassemos depois para um depósito no telhado.

Para comer, as coisas foram mais complicadas, nem havia mesas nem sítio para cozinhar. A falta de uma panela grande foi suprida através da adaptação de um bidão, mas o sabor ao óleo que originalmente teria contido demorou muito a passar.

Quando se conseguiu um frigorifico a petróleo foi uma festa. As Cucas, a 25 tostões, esgotavam rapidamente. De uma grande lagoa que existia perto recebíamos camarão quase de borla.
Com um grande alguidar de camarão e Cucas a metade do preço, houve noites em que o Dr. Carvalhinhos e o Matos tiveram de dar um jeito.
Mesmo aos vinte anos o estômago tem limites.

Massabi tinha sido uma zona com diversas casas comerciais de portugueses que se afastaram no início da guerra. Ficou apenas o Gingão, a quem a tropa garantia a segurança com a permanência de uma secção junto do seu estabelecimento/moradia.
Para além de umas cervejas ou outros pequenos consumos que individualmente fazíamos, o Gingão tinha negócios de maior volume. Era ele que produzia e fornecia todo o pão que a tropa consumia.
Mas como, por razões de segurança, não podia deslocar-se à cidade para se aprovisionar, a farinha com que produzia o pão que nos vendia, vinha de Cabinda na coluna militar de abastecimento.
Uma espécie de PPP.

A possibilidade de uma deslocação à cidade era sempre motivo de satisfação, mais que não fosse pelo Bife à Moreira que ficou famoso.

Passado quase um  ano trocámos com outros, deixámos Massabi e fomos para junto do comando do Batalhão no Dinge.

(Continua amanhã)

6 comentários:

  1. "A possibilidade de uma deslocação à cidade era sempre motivo de satisfação, mais que não fosse pelo Bife à Moreira que ficou famoso". Estando de volta de um trabalho sobre Cabinda, que já me levou a várias visitas ao Arquivo Histórico e que me há-de levar ao RC-3 em Estremoz, onde também cumpri serviço militar, de modo a que possa consultar a história do B.Cav.682 vim dar com estas memórias sobre esta unidade de cavalaria. Só para vos dizer que me enche de orgulho que ainda hoje alguém se lembre do "Bife à Moreira" que o meu pai tão bem confeccionava e a quem deu o nome... ou será que o paladar do mesmo era engrandecido pela vossa fome? :-) 1abraço- Fernando Moreira

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    1. Caro Fernando Moreira
      Agradeço o seu comentário. Lembro-me bem do Bife à Moreira que, de facto, também era engradecido pelo rancho de então no Massabi.
      Sobre a história do B.Cav. 682, tenho algumas coisas, incluindo um livro do Batalhão, que poderei disponibilizar para o seu trabalho.Poderá contactar-me enviado o seu endereço em resposta a este comentário.
      Um abraço
      A Queirós

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  2. O bife a Moreira está na minha memória como um bife de referência a par dos do Nicola, do Leão de Ouro, da Portugália e do Paládium(no Porto), mas do passado, porque no presente já nenhum é referênciavel. Havia uma versão macro, classificada como "o bife a Moreira para não pagar" que custava o dobro a quem não conseguisse comer todo. Consta que um alarve do batcav682 conseguiu aproeza de comê-lo e não pagar. Mas além disso o sr. Moreira era excepcional ainda no camarão e no frango estufado com ervilhas

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  3. Boa noite Armando Queirós e António Neves,
    Infelizmente já não tenho comigo o meu pai, partiu muito cedo, depois de ter vindo de Africa todo o stress do regresso ou do retorno mexeram muito com ele e criaram mazelas que se foram agravando com o passar dos anos. Creio que iria ficar satisfeito pelas vossas memórias, mas irei relatar à minha mãe que ficará agradada pelo facto de passados tantos anos vocês ainda conseguirem reter algumas coisas menos más dos dois anos que por lá passaram.
    Ela ainda relata uma história com os contornos parecidos com a do António Serra Neves qualquer coisa como o meu pai ter dito a um militar que se conseguisse comer o bife todo não o pagaria, quem sabe se não será a história do camarada do B.Cav.682?? Como o mundo é pequeno :-)
    Em relação à oferta do Armando Queirós aceito-a sem hesitação pois pode ser que evite uma deslocação ou duas a Estremoz, ao RC-3, para a consultar. Eu creio que foi na altura do vosso batalhão que começaram as apresentações em massa da população que se tinha refugiado no Congo-Leo e no Congo-Brazza., para além de terem apanhado com o inico das hostilidades do MPLA em Cabinda.
    Há uns tempos estive no Arquivo Histórico mas na vossa pasta apenas lá consta uma guia de envio da HU do 682 para o Museu e uma outra posterior a devolver a mesma ao Regimento de Cavalaria de Estremoz, onde o comando me confirmou que aí existe.
    Peço então o favor do Armando Queiros me enviar um mail para fernando.fernandomoreira@gmail.com que eu na resposta já lhe envio a morada. Desde já o meu obrigado. fmoreira

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  4. Continuo de volta da História do B.Cav.682 e penso que em breve terei a cronologia da mesma completa de modo a que possa aqui ser "postada" neste espaço, caso o Armando Queiroz assim o entenda. Na conversa que tive com o Armando Queiroz creio que me esqueci de referir que também eu sou um "Dragão de Olivença" pois cumpri serviço militar em Estremoz, na altura Regimento de Cavalaria de Estremoz-RCE e hoje novamente RC3. :-) 1abc

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  5. Um camarada, postou na página do Facebook do Bart 2849 uma foto antiga, com uma vista aérea do aquartelamento do Massabi perguntando se ainda estaria assim. Fui pesquisar por fotos e descobri este blog. E mais,com a intervenção do meu caro amigo Fernando Moreira!!!!
    Estive no Dinge de 70 a 71 mas por azar nunca fui ao Massabi, e das 3 ou 4 vezes que fui a Cabinda, com muita mágoa nunca comi um bife à Moreira, mas tive o prazer de ver o Moreira (filho) a comer um bitoque em Alfama, precisamente a 50 metros da Biblioteca do Exército...
    Um abraço para todos vós. Joaquim Brito - Cart 2516

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